25 janeiro 2007

Tempo de despertar

Um dia a gente acorda e descobre que não tem usado toda a nossa força. Um dia a gente acorda e percebe que podia ter se entregado mais.
Um dia, olhamos praquilo que mais nos causou vergonha e dor e descobrimos uma fonte inesgotável de força e de possibilidades.
Um dia a gente acorda.
E esse simples acordar se torna algo grandioso.
Um dia a gente acorda e encontra na morte o segredo da vida, e na vida o sentido que se completa.
Um dia a gente acorda e tudo está igual, absolutamente tudo. Mas sabemos lá no fundo que alguma coisa mudou.

19 janeiro 2007

Da morte, do amor e da vida...

Cena 1 (encontro): Domingo, pouco depois das 23:30hs

- ô, isso é tudo seu? Me dá um pouquinho?
A referência ao meu decote não me incomoda, eu o abraço fortemente e, como em quase todas as vezes que o encontrei nos últimos dez anos, perguntei do seu primo. Trabalhando à noite, faz tempo que não aparece.
Não paro muito tempo pra conversar, até gostaria, mas minha prima está com pressa e vai embora com um ar de provocação. Como sempre, tudo acaba virando piada.
Na volta ainda conversamos um pouco, ele brinca com as crianças e entramos. Está tarde. Quase o chamei pra entrar e tomar alguma coisa. Insisto em dizer tchau, ele mal responde, diz que vai colocar uma blusa e já volta.
Ele não voltou.



Cena 2 (a notícia): Terça-feira ao meio-dia

- Claudia, você não tem terapia hoje?
-Que horas são?
- Meio-dia.
- Já vou levantar.
- Acabaram de me contar que o Gilbertinho morreu.
- Mentira.
- Não é mentira.
- Mataram?
- Não, foi acidente de carro, morreu ele e mais dois primos.
- O Claudinho estava junto?
- Não, foi o...

(ele nunca mais voltou)
Mais tarde fico sabendo do que realmente houve. Amigos que, em pleno mês de janeiro, resolveram passear na praia. Seis pessoas dentro de um carro. Três da mesma família, primos. Um amigo da rua de trás e mais duas meninas que moravam na praia, uma delas grávida. Uma carro que entra em uma ponte. O motorista da carreta viu o carro na contramão, tentou frear. O carro não desviou e entrou embaixo da carreta. Segundo o motorista, assim que desceu e foi ver as pessoas no carro já haviam cinco mortos e apenas um menino de 17 anos gemendo no banco de trás. Ainda existe o risco de aquela família perder mais um de seus membros.




Cena 3 (corpo): terça-feira, 13:00hs

Um carro parado no sinal, um beijo, conversas esparsas. Um corpo que se descobre ainda capaz de desejar. Corpos que se desejam. Cabeças que tentam negar a dor e a própria morte. A morte de si, a morte dele. É impossível acreditar que ele esteja morto.
Como pode uma pessoa conversar comigo em um dia e no dia seguinte simplesmente não existir mais?




Cena 4 (o horror): madrugada de terça para quarta-feira

Depois dos piores boatos possíveis que falavam de mutilação, pedaços de corpos e coisas assim, finalmente chego ao velório. O corpo do meu amigo já estava lá. O do primo dele ainda não tinha chegado.
Caixão lacrado, ordens explícitas para não abrir. Três fotos foram colocadas em cima do caixão. Ainda não consigo acreditar que o corpo do meu amigo esteja ali dentro. Simplesmente não consigo. Minha mente começa a esvaziar, a fugir ao controle de minha vontade. Naõ consigo mais pensar. Por mais que eu queira, não consigo imaginar que o Gilbertinho esteja morto. O pensamento foje, se concentra em outras coisas. Se insisto, emudeço até a alma.
Um carro funerário chega, é o corpo do primo do meu amigo. Os homens carregam rápido o caixão pesado, colocam sobre a pedra e... abrem o caixão, pra surpresa de todos. Gritos, gemidos, muitos desmaios. Me desespero com tanta dor. Mas meus olhos estão secos.


Esse evento levou ao desespero da mãe de meu amigo, que desejava de qualquer forma tocar pela última vez em seu filho. Acho que, como eu, ela também não conseguia acreditar que ele estava morto. Providências foram tomadas para que o caixão fosse aberto (mas pretendo poupar os leitores mais delicados do que houve, de todo o horror que presenciei, e também do terrível descaso que as empressas funerárias têm com a dor e o sofrimento das famílias que perderam um de seus membros, a despeito da fortuna escabrosa que cobram; acredito que, se houver céu e inferno, a eternidade é pouca para castigar os donos de funerárias).
Pude ver o rosto do meu amigo pela última vez, mas não pude acreditar. Naquele momento minha alma entrou no mais absoluto silêncio. Vez ou outra algum pensamento passava pela minha cabeça, mas eu não conseguia ouvir.
Emudeci tão completamente que deixei de sentir.
Não chorei, nem mesmo a noite da cama, nem mesmo quando fiquei sozinha.
Meus olhos estão secos, meu coração está seco.




Cena 5 (a fuga, o nada): quarta-feira, 6:00hs

- vamos embora?
- Vamos

Despedidas, menos de minha parte, que há tanto tempo não moro mais naquela rua e que agora me sinto uma estranha.
Me despeço do Claudinho, me despeço da mãe do Claudinho.

- Eu não ia aguentar ver o enterro.
- Nem eu.
- As pessoas vão entrar em um desespero enorme, já cheguei no meu limite.

Eu não ia aguentar ver o enterro, apesar de estar com os olhos secos e o coração seco, eu sentia como se aqueles gritos, gemidos e desmaios me cortassem. Como dez mil facas atingindo meu corpo.
Não é porque o corpo está anestesiado que ele deixa de ter a consciência de estar sendo mutilado.
Eu estava no meu limite.




Cena 6 (ressaca): quarta-feira por toda a tarde.

Minha prima no sofá, eu no colchão. Não conseguimos nos levantar, mal nos mexemos. Até tentamos conversar algumas vezes, em vão.




Cena 7 (fogo): quinta-feira, por toda a tarde.

Diálogos que giram em torno do desejo pelo Claudinho, que várias vezes durante o velório mandou beijos, que participou (ou melhor, foi o centro) de uma boa conversa sobre experiências passados, que me beijou e acordou meu dragão adormecido.
Diálogos que giram em torno de sexo, de prazer, de entrega, de corpos e de tudo que já não consigo mais.
Diálogos que giram em torno de um tempo em que o sexo era uma grande brincadeira pura e deliciosa. Era. Não é mais.
Fim de papo.




Cena 8 (final): madrugada de sexta-feira, 1:00 a.m.

Deitada na cama e repensando em tudo o que aconteceu nos últimos dias eu descubro duas coisas:
1) Eu tenho medo da morte
2) O único medo maior do que meu medo da morte é o meu medo da vida e do amor
.

07 janeiro 2007

Só pra constar

Eu tive um sonho tempos atrás: sonhei que andava por uma avenida. De repente, as árvores começaram a dar frutos que amadureciam pra mim. Eram frutas de vários tipos: melancia, melão, banana. Eu que não gosto de frutas fiquei com água na boca. Um rapaz ao meu lado colhia várias delas. Estranhei um caso tão singular. Frutas no canteiro central de uma avenida, frutas maduras, apetitosas, de graça no canteiro central de uma avenida e nenhum moleque as colhera. Olhei pra cima, uma jaca de verde ficou madura. Entendi porque os moleques não colheram as frutas.
Elas eram pra mim.
O cacho de banana-da-terra começou a amadurecer muito rápido. Eu só como banana nanica, mas peguei um cacho e levei pra casa. Talvez tenha levado outras frutas, mas não pra mim.
Em casa, contei maravilhada a minha história. Contei que na cidade as frutas estavam se espalhando, que eram muitas e muito gostosas. Eu não gosto de frutas, mas comi a banana e ela estava tão doce quanto banana nanica.
Olhei no relógio e já estava muito atrasada para a terapia, chegaria 40 minutos depois. Mesmo assim fui e no caminho mais frutas se davam de presente pra mim. Fiquei em dúvida se ligava ou não avisando do atraso. Pensei que meu terapeuta entenderia que estava me atrasando apenas para colher os frutos, e não por qualquer outro motivo.
Me preocupava com o atraso, mas não resisti e parei para colher os frutos.

Obs.: só pra constar, às vezes me assusto com minhas próprias palavras. Às vezes me assusto com o amargor que sai de minha boca. Às vezes me sinto uma pessoa feia por dentro. Mas então eu olho melhor e vejo que sou apenas uma criança desesperada de tanta fome e que não consegue comer frutas, mesmo quando elas se dão assim, tão maravilhosamente.
O Ano Velho, como já disse, foi péssimo, mas ainda acredito em um Feliz Ano Novo.
Para mim, para vocês, para todos nós.

02 janeiro 2007

Feliz Ano Velho

Tentei iniciar um novo regime... pensei que dessa vez conseguiria, fracassei logo no primeiro dia.
Com essa última viagem à casa de meu pai, engordei ainda mais. Incomível aos 24 anos - certa vez ouvi da mãe de uma conhecida que esse era a pior coisa que poderia acontecer a alguém de minha idade, essa feriu feio.
Talvez não tão incomível, há poucos dias teve aquela história com o ex-jogador de futebol. Nem por um segundo fui capaz de me entregar.
Mas comer é a única coisa que ainda me resta, a única coisa que pode me dar uma vaga lembrança do que é sentir prazer.
Praia limpa, sol, morros verdes, o que mais alguém ia querer em um ano novo?
Talvez um pouco de alegria. E não era só o fato de estar sozinha entre dois casais apaixonados, nem o fato de meu pai ter comprado um apartamento com quatro quartos, hidro e closet e não nos pagar o café-da-manhã. Não era só o fato de ter vergonha de meu corpo estranho, de não ter roupa que servisse em mim pra passar o Reveillon e de que ninguém me ligou, mandou e-mail ou um simples spam no Orkut (tirando uma nova conhecida que parece ser a única pessoa que entende o que tenho passado).
É um misto de tudo. Um cansaço imenso e uma total falta de sentido para viver.
Fracassei.
Em tudo o que me propus, fracassei.
Sou o fruto de uma relação estúpida entre um pai ausente e uma mãe que é perita em chantagem emocional. Tentei fugir dessa maldita história até hoje, mas agora ela me pegou. O começo desse ano que chega prenuncia um inferno com direito a gritarias, ofensas e chantagens.
Passei dois anos fazendo cursinho e mais cinco anos estudando na dita "melhor universidade do país" pra descobrir que minha previsão salarial é semelhante a de um auxiliar de escritório - se eu tiver sorte, aqueles malditos comunistas me encheram de idéias ridículas e eu acreditei, e minei boa parte de minhas chances de um dia ter, quam sabe, uma vidinha medíocre de classe média que ganha dois, três mil por mês (com o custo de vida dessa porra dessa cidade isso não quer dizer grande coisa). Se ainda existem chances, não tenho fôlego pra persegui-las. Estou cansada demais.
Fiz escolhas erradas demais e me sinto perdida demais.
Preciso de ajuda, mas não acredito que essa ajuda um dia chegue.